A Nobreza em Quatro Patas

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  Hoje escrevo em teu nome, em tua homenagem. Não estás aqui para contar a tua história mas fá-lo-ei por ti, Luna.

  Conheci-te em 2008 e rapidamente te apelidei de Picachu. Desde bebé com o teu dono, cresceste rodeada de muito amor e companheirismo, o teu pai levava-te para todo o lado. Um porte sóbrio, de uma nobreza e elegância que se tornavam explicitas quando andavas, sempre discreta e muito dona de si, assim eras meu Picachu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Aceitaste-me como mãe e abraçaste a Zucka como irmã, com uma paciência de santa, que sempre te admirei. Podias ser a matriarca e dar-lhe raspanetes quando ela se esticava, mas não o fazias. Em vez disso, choravas para que te ouvisse e fosse impor a ordem na cozinha, na hora de comer.

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Partilhando o sofá

 

 

 

 

Ok… a Zucka é doida, não é?

 

 

 

 

 

 

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Sou uma almofada

 

 

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Duas Mimosas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Lembras-te de todas as noites que passámos? Eu lembro-me bem. Foram anos em que a cada noite pedias que levantasse os lençóis para te aninhares, para passados cinco minutos arfares de calor e pedires para sair, para depois voltar a entrar, e a sair, e a entrar… eram assim as minhas noites. Ensanduichada entre ti e a Zucka numa cama de dois metros de largura para que toda a família coubesse. E quando eu dormia um sono profundo, fazias questão de carpir na minha cara para que te levantasse o lençol. Que saudades tenho das minhas noites mal dormidas. Dava tudo para ouvir a tua arte carpideira, aquela que me deixava louca… porque carpias assim? Sempre a choramingar, e eu sem saber o que querias. Eras assim, princesa e rainha do teu mundo, do nosso.

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Descanso
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Beijinhos
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Mas posso dormir?
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Mãe, diz-lhe que pare!!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Mantenho tão viva na retina a tua expressão quando te dizia “bolinha” ou “canja”. A tua carinha inclinava-se como quem dizia “hmm?” e o teu trote único quando vias um biscoito, parecias um cavalinho castanho e baixinho num trote digno de competição. E quando te fazias de surda na rua? Sempre foste independente mas tão sábia. Ajudaste-me a ensinar a Zucka e o Nine a dar a pata para o biscoito, aprenderam a observar-te, sabias? E quando a Zucka te roubava a bola, assim o permitias sem reclamar.

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Gosto de mimo
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E adoro lamber as orelhas da Zucka
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Com o meu irmão Nine
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O meu desporto favorito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Gostavas do teu espaço, tinhas o teu canto preferido no quarto de jogo, na poltrona do “bivô” onde passavas horas a dormir. Mas quando chegava a hora do mimo, quando querias um aconchego, procuravas-me. E a piscina Picachu? Lembras-te das férias de verão? Bastava alguém inclinar o pescoço quando na toalha, para correres para a piscina numa ansiedade que fazia dó. Muitos banhos tomaste sem querer à conta dos circuitos doidos que tu e a Zucka faziam à volta da piscina. Para vocês aquilo não eram férias, era trabalho pesado… regressavam mais cansadas do que nunca.

Depois diz-me o que vês
À sombrinha, break time
Chamaste?
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Que sol bom
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Refresca-me

 

Uma coisa que nunca percebemos foi a tua tara por cirurgia estética. Estavas sempre a fazer lipoaspirações… nunca percebi se era a tua forma de fazer dieta rápida ou simplesmente porque adoravas a minha canja de galinha. Eras tramada… sabias que podias estragar simplesmente e não nos zangaríamos contigo? Agora eliminar as provas? Oh Picachu! Primeiro foi o colchão que comeste. Do teu estômago saíram molas, argolas e muita esponja. Depois voltaste a inventar… nunca mais me esqueço de entrar no quarto e ficar boquiaberta a olhar para os cortinados que agora estavam reduzidos a metade…se fosses uma patuda alta tinhas comido tudo. Ah, já para não falar nos nacos da cesta de verga, da minha camisola (que ainda hoje guardo) e do carregador do telefone. E fazias questão de inventar sempre na mesma altura, ou no Natal ou antes das férias de verão. Lembras-te daquela manhã em que entrei na sala e vi o cortinado todo vomitado? Senti-me como uma criança na manhã de Natal! Livraste-te de uma cirurgia! Mas não ficaste satisfeita, claro! Mais tarde conseguiste comer uma esfregona, daquelas amarelas que os ácidos do estômago não conseguem dissolver, e tinhas no bucho mais coisas, como partes do tecido do guarda-chuva… Picachu… o que tu inventavas e nunca percebemos porquê. Enchias-nos de preocupação. Não eras jovem e cada anestesia e cirurgia daquelas era um risco, mas aguentaste-as firme e como uma senhora. Nem sei como, porque sempre que íamos à Dra. Ângela encolhias o rabo entre as pernas e só querias fugir… A verdade é que por mais que vos tenhamos limitado o acesso a coisas de risco quando não estávamos em casa, sempre conseguiste ir avante com as tuas peripécias, pensavas o impensável!

Depois da minha lipo
Depois da minha lipo

  Sabes do que me lembro muito e queria esquecer? Quando adoeceste de verdade. Ainda hoje me pesa ter estado ausente nos últimos 9 meses da tua vida. Privei-me da tua companhia, se eu pudesse voltar atrás… Estava em Barcelona quando tiveste a convulsão. Apanhei logo um avião e fomos à Dra. Ângela. As notícias não podiam ser piores. Cancro no baço e que já tinha espalhado, mesmo que operássemos dar-te-ia apenas mais uns meses. O prognóstico era mau, muito mau… só mais 3 meses contigo. Desde esse dia tudo descambou por aí abaixo. Desde aí, lembras-te como me seguias? Parecia que querias compensar os dias que perdemos juntas. Sentia-me uma mãe pata. Seguias-me para todo o lado. E quando brincávamos às escondidas? Mesmo já sem veres bem e sem ouvires, não me vias mas sentias-me. Encontravas-me sempre e ficavas parada… já não corrias como antes quando me apanhavas, mas esperavas pacientemente que eu te tocasse e dissesse “estou aqui!”

Uma lady
Uma lady

  Mesmo com comida natural e ingredientes mágicos que eu e o teu pai cozinhávamos para vocês durante todo o fim de semana, mesmo com acupuntura, medicamentos, ias piorando de dia para dia. Deixaste de querer ir à rua, já não tinhas força… tinha de te ajudar quando ias ao terraço porque perderas a força nas pernas. Perdeste peso mesmo comendo com satisfação, coisa que fizeste até ao último dia. Perguntávamos à Dra. Ângela se faria sentido ter-te assim, não queríamos que sofresses, mas ela dizia sabiamente que não estavas com dores e que nos mostrarias quando estivesses pronta para partir. Nunca o fizeste. Nunca! Nunca desististe de nós, mas o teu corpo não aguentou. O teu corpo desistiu ao final de 3 semanas apenas. Não estávamos preparados, contávamos com 3 meses. Consegui estar sempre junto de ti, e quando regressei a Barcelona, foi logo no dia seguinte que voltei novamente no último voo, chegara a hora.

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Saiam da piscina! Tubarão!
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Não me dão descanso
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Estou a caminho!
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Ah entraste por esse lado?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Nunca me esquecerei da forma como me olhavas fixamente quando chegava, da forma como me seguias, parecia que querias aproveitar todo o tempo que te restava ao máximo… comigo. Lembro-me da tua força e alegria de viver. Dormimos a nossa última noite juntas no chão do corredor. Estava fresco e sentias-te mais confortável, foi uma noite difícil. E depois o adeus. Um dia agridoce, mais amargo sem dúvida. Mesmo depois de 9 meses à espera de emprego para o teu pai, a tua partida anulou qualquer prazer e felicidade que pudéssemos sentir quando chegámos a casa e vimos o e-mail com a novidade. Chorávamos e ríamos ao mesmo tempo. Encerrara-se um ciclo para um novo se iniciar. Ainda te vi mais uma vez serena e como se dormisses. Acariciei-te o pelo frio mas sedoso, linda como sempre. Dorme em paz minha querida. Não imaginas a falta que me fazes todos os dias. A dinâmica da família mudou deste que partiste…

Sº Cristovão 2010 075

 

 

 

 

 

 

 

  Quando soube que íamos partir para Barcelona fiquei cheia de medo que voltasses a casa e não nos encontrasses, que pensasses que te tínhamos abandonado. Mas não… temos tudo aqui, a tua trela, o teu comedouro, o teu impermeável e a tua poltrona. Sei que tens um faro apurado e que nos encontras facilmente.

  Sabias que desde que partiste comecei a ter alergias enormes? E que os exames que fiz dizem que sou alérgica aos ácaros? Tal como tu! Levavas uma vacina mensal e agora sou eu… todos os meses, durante um a dois anos, vou levar uma vacina para a alergia aos ácaros. Quando penso no que me incomoda esta alergia constante, lembro-me que foi um pedaço de ti que me deixaste. Comentei isto com o alergologista, mas ele respondeu que as alergias não se transmitem de cães para humanos. Totó, não percebeu o que diz dizer. E sabias que agora temos outra carpideira de serviço? É o Nine… aposto que foste tu que lhe deixaste esta parte de ti para que não tenha tantas saudades tuas. Ele faz como tu, põe-se a carpir na minha cara quando durmo. E a Zucka, bom… a Zucka sabes como é doida, mas desde que viemos para cá começou a ter dermatites… herdou-as de ti. E finalmente, o teu querido pai que, apesar de não falar muito, sei que sente muito a tua falta. De ti ele também herdou algo, mas não o faz com a tua elegância… começou a ressonar.

 

 

 

 

 

 

 

Acreditas que ainda hoje, o meu telefone toca todos os meses com o lembrete da tua vacina? Não a consigo apagar. Sonho muito contigo e recordo as coisas únicas que fazias, de coração encolhido e apertado. Sei que um dia te encontrarei, e que até lá, serás princesa nobre no teu castelo de areia.

Sinto a tua falta todos os dias, meu raio de sol.

4 thoughts on “A Nobreza em Quatro Patas

  1. Obrigada Paulinha 🙂 Pesa-me mais o tempo que não recuperarei com ela que a culpa pq felizmente os patudos têm uma noção diferente de tempo. Fica-me a certeza de que teremos uma eternidade juntas 🙂 Beijinhos

  2. Olha…já m fartei d chorar…
    Linda homenagem à Luna e não te sintas culpada pela tua ausência, a Luna adorava-te e fez questão de te demonstrar isso, mesmo quando já tinha pouca força. Sem dúvida q foi muito feliz:)

  3. Ui….já me fartei de carpir..
    🙁
    Só quem os tem é que compreende
    Beijinhos. Foi uma bela homenagem

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