Ultrapassar o medo

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     Sou uma pessoa bastante reservada e quanto mais despercebida passar…melhor. No entanto, apesar de gostar de passar despercebida, existem situações que, para muitas pessoas são um pesadelo, mas com as quais até consigo, de alguma forma, lidar calmamente…mas só algumas. Por exemplo, ter apresentado trabalhos na faculdade. Não foram muitos, pois raramente lá punha os pés…era conhecida como “a turista” e houve professores que nunca conheci a não ser no dia do exame…mas, apesar de não conhecer a maioria dos colegas de turma, apresentar um trabalho era algo que não me deixava nervosa.

     Outra situação que, geralmente também não me gera nervosismo é, por exemplo, profissionalmente, dar treinos sobre a “minha” ferramenta. Conheço-a melhor que a palma da mão e já por várias vezes a apresentei ou falei dela para uma sala cheia de agentes, comerciais, equipas, etc. Até aqui tudo bem desde que…não me passem o microfone para a mão…se há microfone…aí sim, começo a ficar nervosa. E porquê? Acho que sei o motivo.

     Ora a realidade é que aqui a “je” adora cantar. Passei grande parte da minha vida a cantar para dentro, até que a minha cara-metade me apresentou ao Singstar e, basicamente, criou um monstro! Comecei timidamente a cantar só quando ele saía da sala, mas depois lá fui soltando a franga…gostei tanto daquilo que estar 8 horas a cantar sem parar era o pão nosso de cada dia…

     Verdade seja dita, apesar de conseguir depois cantar na companhia de alguns amigos, em modo jogo, sempre disse “canto aqui mas NUNCA me vão apanhar num bar de Karaoke a cantar! Só canto em casa!” Mentira, pois está claro….Fiz pior!

     Um amigo estava a ter aulas de guitarra numa escola e, como é habitual na maioria das escolas de música, iam dar um concerto. Acontece que ao pobre coitado lhe faltava um vocalista e um baterista. Há pessoas que quando falam connosco, parece que nos fazem sentir invencíveis…foi o caso…ele disse “Epá, tu até és afinadinha, não queres participar?” Eu, deliciada com o elogio…aceitei!

     Fizemos cerca de 3, 4 ensaios a correr, a minha cara-metade ficou à bateria, também a sua primeira experiência a tocar em público. Eu estava bem tranquila, pensei “bom, concerto de escola, devem ser meia dúzia de pessoas, pais e amigos da malta que lá está e pronto, ambiente familiar e tranquilo”. Errada…outra vez!

     Julho de 2011. Local – Bar Baluarte em Cascais. Chegámos de tarde. Quando entrei, ia tendo um ataque…estava cheio! Fomos dos últimos a atuar. Só posso dizer que estava tão nervosa que não me aguentava nas canetas…tiveram de me ir buscar um banco! Correu tudo bem? Correu pois. Apesar das contrações involuntárias da minha cara e da vontade de fugir, correu bem.

     Quem visse pensaria que eu já estava acostumada (ignorando o facto de estar a cantar baixíssimo tal era o nervoso), mas a postura…uma profissional! Até a minha mãe diz que não percebeu nada que eu estava nervosa. Se ela não se apercebeu…mais ninguém perceberia! Eu só sei que aqueles 8 minutos me pareceram uma eternidade, que a minha cara se sentia presa e com espasmos de “ai que vais chorar!” Repetiria? Se me derem uma máscara sim!

     É que cantar é tramado…se há muito nervoso, a voz não sai. E se desafino? E se me engasgo? E se me esqueço da letra? Raios! Porque tem de ser o vocalista à frente e não atrás da bateria, lá bem no fundo? É que, quando se vai ver uma banda, a malta presta atenção ao vocalista, a não ser que se esteja focado num instrumento específico porque é algo que também tocamos…porque senão, sobra para o vocalista. E eu bem sei as críticas que faço a alguns vocalistas. Sou cruel, mas eles não me ouvem!

     Escusado será dizer que, depois desta experiência e de ver e rever o vídeo (sim…porque este momento histórico foi gravado) decidi que se realmente gostava de cantar, ao menos que aprendesse a fazê-lo minimamente bem e comecei a ter aulas de canto, primeiro numa escola e depois com aulas particulares.

     Aprendi imenso mas diverti-me ainda mais. Sabe tão bem, quando de nós, sai algo que não sabíamos que existia, algo que nem imaginávamos sermos capazes de fazer, ver a evolução. Foram cerca de 2 anos com aulas, e só parei porque saí de Portugal. Pelo caminho fiz mais algumas loucuras, uma delas foi ir a um casting para uma banda, cujo feedback foi muito positivo, apesar de não ter ser o que eles procuravam.

     Testei as minhas inseguranças em mais algumas situações que me eram desconfortáveis, mas não morri. Custou? Um pouco, mas no fim, expor-me a essas situações fez-me sentir orgulhosa por ter a coragem de o fazer.

     Esta “fobia” de não gostar que me observem, de gostar de ser invisível, faz com que não vá mais além. A verdade é que das coisas que mais adoro é estar em estúdio com malta e cantar. Adoro, seria capaz de passar horas e horas a fio. Fi-lo algumas vezes em Portugal, com colegas de trabalho e divertia-me imenso, e já o fiz aqui em Barcelona com uma banda também. Não tenho qualquer intenção de estar em público, de me expor…sou bicho de estúdio!

     Adoro ver aqueles programas de talentos, admiro profundamente a coragem daqueles milhares que se expõem, que perseguem os seus sonhos, que acreditam em si mesmos (mesmo quando não o deviam fazer de todo…às vezes há com cada um que até magoa). Hoje, não digo nunca porque estou careca de saber que os meus “nuncas” são muito relativos mas…diria que a probabilidade de fazer algo assim é praticamente nula. Teria de passar por muitas experiências particulares e específicas até ganhar a coragem para tal.

     Até lá, canto e encanto os meus cães (pobres não podem reclamar, se bem que o Nine às vezes faz uns barulhos estranhos quando canto…) Pratico na guitarra para poder acompanhar-me enquanto canto, vou evoluindo ao meu ritmo, à minha maneira. Um dia destes, provavelmente, andarei à procura de uma banda que seja fã de oldies daqueles de fazer dormir, que é o que mais gosto de cantar.

     Isto tudo para dizer que, inseguranças e incertezas todos temos. Cada um tem os seus fantasmas, os seus medos mas, falar deles e assumi-los talvez seja o primeiro passo para evoluir, para deixar crescer a coragem de sermos audazes e atrevidos, de nos surpreendermos. E isto aplica-se a qualquer paixão que tenham! Falhar é não tentar!

     Sei que quanto maior é a nossa paixão por algo, mais direto e poderoso pode ser o seu ataque, porque nos atinge diretamente, atinge algo que sai e faz parte de nós, algo que é tão nosso e especial que nos fere a alma. Pensemos então positivo. Não vamos agradar a gregos e a troianos mas, como nos sentiremos quando do outro lado vier uma reação e opinião positiva? Abram portas aos elogios. Aos que estão de fora, não incentivem algo em que não acreditam.

     Às vezes vemos amigos ou familiares a incentivar uma paixão, por não quererem magoar, nem destruir sonhos, mas a verdade é que podem estar a deixar crescer um sonho que não tem futuro e o que não magoar pela vossa voz, magoará certamente pela voz de um estranho, e isso dói muito mais. Portanto, aos meus amigos e familiares, se não gostam de me ouvir, falem agora, escrevam…ou calem-se para sempre!

4 thoughts on “Ultrapassar o medo

  1. És mesmo uma mulher dos sete instrumentos!
    Estou a gostar muito de “ouvir” esta tua nova voz.

  2. Concordo em pleno contigo, Ricardo Espada 🙂 Há que tentar, sempre! Querer é poder! Na música dificilmente passarei do cantar por casa e pouco mais, mas já na escrita, é exatamente o que estou a fazer 🙂 escrever para fora e não para dentro, quiça concretize um sonho, ou não, mas já assim me faz sentir lindamente…sonhar sempre!

  3. Percebo-te perfeitamente. Mas, como só vivemos uma e só vez – e a vida acaba por ser tão curta que não conseguimos concretizar todos os nosso sonhos –, acho que, quando se tem um sonho, deve-se fazer de tudo para que ele se concretize. Mesmo que isso signifique a constatação de que não temos talento nenhum para o sonho em questão. Mas o tentar… o simples “tentar” é algo que devemos sempre experienciar. 🙂

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