Nunca digas nunca…

Consegue rever-se na frase “Eu? Nunca na vida faria uma coisa dessas. Não conseguiria dormir de noite, é completamente contra os meus princípios”, e blá blá…? Por largos anos esta era a minha forma de ver determinadas coisas… nunca faria tal coisa! A palavra nunca era potente, mas eu dizia-a de peito cheio (na altura 85, copa A). A verdade é que mais cedo ou mais tarde percebemos a relatividade de algumas coisas, incluindo aquelas coisas sobre as quais tínhamos todas as certezas do mundo, todos aqueles “nuncas”.

Não importam quais foram os meus “nuncas” e os meus “jamais”. Qual não foi a minha surpresa quando dei por mim a concretizar os meus “nuncas” de estimação e a aperceber-me que “Espera lá…não me sinto mal com isto, aliás, agora até me sinto muito melhor!”. Rapidamente percebi que afinal não me conhecia assim tão bem, que os meus limites afinal…não tinham limites, que o nunca é totalmente falível. Aprendi que me estava a enganar, não estava a ser verdadeira comigo mesma nem com os outros.

Durante muito tempo, enquanto crescia como pessoa, julgava os outros com muita facilidade, era intolerante e não compreendia como algumas pessoas faziam determinadas coisas, como conseguiam elas viver assim? Ok, havia, há e haverá sempre perfeitas bestas, não há nada a fazer mas… afinal o mundo não está cheio de bestas ou… serei eu uma besta também? Tenho dias…

Sem dúvida, o curso de psicologia abriu-me a mente. Com ele aprendi a ter uma mente aberta, a não julgar nada nem ninguém, iniciei-me no mundo da compreensão. É infalível? Não…há coisas que continuo sem conseguir compreender, coisas que me incomodam hoje e vão, provavelmente, incomodar amanhã. Mas agora, tento sempre colocar-me do outro lado. Como me sentiria se fosse eu naquela situação? Com aquele sentimento? A pessoa tem razões para se sentir assim? Não importa! O que importa é que aquele sentimento está lá, seja ele válido ou não, ele existe. Às vezes dói, às vezes custa? Oh, se custa! Mas… agora compreendo, agora posso fazer algo construtivo com o que sei, com o que imagino que seja aquele sentimento.

Não podemos exigir dos outros que sejam e ajam como nós. Somos todos diferentes, reagimos e vivemos as coisas de maneira diferente, às vezes até vamos ao limite de num dia rir e no dia seguinte chorar exatamente com a mesma situação… somos assim… bipolares, instáveis.

Perdi o meu pai quando tinha 14 anos. Era o nosso primeiro dia de férias no Algarve, as tão desejadas férias de Verão, o nosso primeiro dia de praia, na praia do costume. De repente, naquele domingo, 12 de Julho de 1994, a minha vida mudaria para sempre. Ele partiu, sem aviso, sem tempo para despedidas, sem me deixar reclamar e gritar ou sequer dizer o quanto o amava… simplesmente… partiu. Como me senti no dia do funeral? “Eu? Não sei de nada, comigo não se passou rigorosamente nada, estou de férias”… passei o dia em casa, na sala, a dançar ao som da rádio como se nada tivesse acontecido. Foi assim que reagi. Reagiriam da mesma forma? Provavelmente não.

Arrependo-me? Não sei, talvez pudesse ter dado o meu último adeus, talvez prefira assim, permitindo-me sentir que um dia destes nos encontraremos novamente e que até lá, vive em mim e está comigo à sua própria maneira. Acredito que a vida não é só isto… Não pode apenas ser trabalhar das 9 às 5, pagar impostos e despesas e tirar selfies para mostrar quão interessante a nossa vida é. Há muito mais para além daquilo que conseguimos ver e explicar. Serei ingénua, esquisita? Que seja, ao menos sou feliz na minha anormalidade.

Tudo isto para dizer o quê? Para dizer tudo e para dizer nada. Sejamos anormais, sejamos perfeitos nas nossas imperfeições, sejamos verdadeiros, respeitemos as diferenças pois são elas que fazem de nós únicos e nunca… mas mesmo nunca… digam nunca! Conseguir olhar para o espelho e ver para além do reflexo pode ser assustador, mas é o que nos torna livres.

5 thoughts on “Nunca digas nunca…

  1. Bom texto! Esta teoria do “nunca digas nunca” também já percebi há muito tempo… nem nós próprios sabemos como vamos reagir perante determinadas situações, a não ser quando passamos por elas. Acho que nunca (lá está o “nunca”) vamos parar de nos surpreender a nós próprios… porque ao longo da vida nos acontecem situações que nos mostram que o processo de auto-conhecimento é algo que que só não pára e se constrói com experiências novas que nos ensinam quem realmente somos.

  2. .O NUNCA ,já desapareceu do meu espírito há muito tempo. Mas do vocabulário,às vezes,lá se escapa,:-) 🙂

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